Há anos não o via. Às vezes
alguém dizia que ele havia estado na cidade e seu coração insistia em disparar.
Já se acostumara com sua ausência, mas seus sentimentos a traiam mais uma vez.
Não o havia esquecido. Ao saber por amigos que estava por perto, pensou então
em procurá-lo. Que mal faria relembrar
uma velha amizade? Claro que não foi isso o que aconteceu. Estava enganada,
como ainda estaria outras vezes. Chegando à casa de um amigo, onde sabia que o
encontraria, cumprimentou aos presentes, mas era inevitável olhá-lo bem mais
que aos outros.
Sua pele pálida fazia contraste
com os olhos negros, fazendo-a recordar seus medos infantis dos livros
vampirescos, e sua atração adolescente por se tornar um desses demônios. Medo
que não lhe afastava como seria o normal, atiçando-lhe uma curiosidade
incontrolável. Presunçoso, como sempre o fora, ele lhe dirigiu a palavra,
perguntando-lhe se ela estava lá para vê-lo. Essa pergunta trouxe-a de volta à realidade, fazendo-a relembrar
de toda a dor que sentira quando ele partira inesperadamente de sua vida. Não
permitiria isso novamente.
Respondeu então o que não sentia.
Que não estava ali com aquela intenção e, sim, para rever amigos em uma
confraternização. Festinhas de final de ano, sempre tão deprimentes, não a
atraiam em nada... Sua vontade era a de sair dali rapidamente, mas não o
fez. Quais mistérios aquela alma
atormentada guardava? Ele lhe provocava sentimentos opostos; angústias, medo e
um amor descomunal, que a preenchia totalmente.
Olhar para
ele era como reunir tudo o que de possível se poderia sentir por alguém. E ela que já pensava estar imune a isso...
Tudo permanecia lá, intacto, só esperando pelo momento de ressurgir como uma
fênix. Ele largou todos e foi conversar com ela que, a essa altura, não tinha
nenhum controle. Estava a menos de um metro dele, alguns centímetros... Ele
trazia no pescoço uma cruz de ansata, bastante familiar, a mesma que costumavam
usar quando namoraram, ou talvez nem fosse a mesma, mas ela brincava com aquele
cordão, evitando assim seus olhos, distraidamente, até o momento em que não
resistiu e o puxou levemente para perto de si e se beijaram, sem que ele se
opusesse. Beijou-lhe como se fosse o único beijo dado em sua vida.
Não precisava disso novamente... Da
insegurança e daquela instabilidade que ele lhe causava. Fugiu mais uma vez.
Foi embora sem olhar para trás. Não havia chegado o momento para se
reencontrarem e dividir suas vidas. Manteria a guerra contra si mesma por mais
um tempo. Sabia que aquele homem era sua glória e sua ruína.